Rodas de conversa no contexto da UFG em parceria com a Rede Indígena: junho e julho
A Rede Indígena da USP está em parceria com docentes da Faculdade de Enfermagem/UFG no projeto de extensão “Produção de espaços de diálogo sobre saúde e bem viver dos povos indígenas” que visa realizar atividades e rodas de conversa com estudantes indígenas sobre saúde e bem viver (para mais detalhes, acessar o link). A iniciativa conta com a parceria da Secretaria de Inclusão SIN-UFG, a Gerência de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do Estado de Goiás e uma estudante indígena da UFG oferecendo apoio técnico.
A UFG é uma universidade com campi em Regionais Catalão, Goiânia, Goiás e Jataí, e os estudantes indígenas estão espalhados por todos esses cursos e cidades. A partir de reflexões coletivas, a equipe liderada pela psicóloga Milena Nunes decidiu que as primeiras rodas de conversa ocorreriam estrategicamente na cidade de Goiás, que tem recebido muitos alunos indígenas e suas famílias para o curso de Licenciatura em Educação no Campo. A cidade conta com um serviço de saúde preocupado e interessado no diálogo acerca das concepções e práticas de saúde indígenas, com propostas que visam a construção conjunta de ambientes que contemplem o bem viver indígena.
A primeira roda de conversa ocorreu no dia 27 de junho, no colégio Santana, contando com a participação de professores, psicólogos, assistentes sociais e alunos de três etnias. Nesse primeiro encontro, foram feitas as apresentações do projeto e das pessoas, escutando-se as expectativas e demandas, para que se possa dar um bom prosseguimento ao projeto. Outra atividade aconteceu ao longo de quatro dias, com rodas de conversa na cidade de Goiânia durante o mês de julho, em que ocorre o curso de licenciatura em Educação Intercultural oferecido pelo Núcleo Takinahakỹ de Formação Superior Indígena. Durante todo o mês de julho, os cursos de graduação e pós-graduação contam com aulas e palestras, e as rodas de conversa, que ocorreram em horários de aula cedidos pelos professores, enriqueceram a experiência e formação, tanto dos estudantes indígenas quanto das pessoas não-indígenas. Este é um diálogo fundamental para que se dê a devida importância no pensar saúde, inclusive saúde mental, para além das limitações dos conceitos ocidentais, em prol de um bem viver que respeite a especificidade de cada povo indígena.
No dia 10 de julho, participaram 38 pessoas da primeira roda de conversa, com relatos que variaram entre esperança e ânimo com os estudos, e cansaço e frustração com diversas dificuldades. Depois, o grupo foi dividido em comitês com duas ou três pessoas, sendo cada grupo com pessoas da mesma etnia. A partir de figuras de um livro sobre saúde e bem-viver, cada grupo selecionou uma figura para refletir sobre a saúde mental de seu povo. Cada resposta abriu variadas possibilidades de discussão dentro do tema saúde mental indígena, por exemplo com impactos do racismo e da colonização no bem viver comunitário (adoecimentos, uso prejudicial de álcool, atendimentos de saúde precários ou desrespeitosos com as cosmovisões indígenas, invasão e contaminação de terras), e elementos das vivências indígenas que compõem a saúde (a sabedoria dos e das pajés, dos anciãos e anciãs, os rituais de cura, a contribuição para saúde das atividades de fazer música, artesanato e comidas naturais).
No dia 13 de julho, participaram 260 pessoas da roda de conversa, com alunos indígenas de 25 etnias. Novamente com a subdivisão de grupos por etnias, cada comitê expressou o que se entende por saúde mental e como ela deve ser cuidada dentro da cultura correspondente, por meio de expressões artísticas, culturais ou verbais. Emergiram preocupações com uso prejudicial de álcool e celular, com o tema do suicídio e a enfatização da importância dos cuidados tradicionais, dos e das pajés, das práticas de autocuidado constituidas também por dietas e rituais, sendo cada uma dessas práticas específicas de cada povo. Foi aprofundada uma reflexão ampla sobre os modos indígenas de viver bem, que devem receber uma atenção diária e não só em situações passíveis de serem entendidas por adoecimento.
No dia 15 de julho, estavam dez pessoas de seis etnias. De acordo com a metodologia dos encontros, no início de toda roda de conversa, há um momento de escuta para as autopercepções e perspectivas acerca da vida e do curso em que as pessoas estão inseridas na universidade. O diálogo sobre saúde mental com este grupo teve prosseguimento no dia 22 de julho, e abordou os temas de drogas, vício e suicídio em cada cultura. Avaliou-se que problemas relativos ao uso prejudicial de álcool, por exemplo, não decorrem das bebidas rituais consumidas nas aldeias, mas das bebidas que vêm das cidades, e estaria muito relacionado com a depressão e o suicídio. A manutenção da cultura, o respeito às lideranças e o diálogo aparecem como fatores essenciais para lidar com esses problemas e construir uma vida melhor. O estudo na universidade aparece como oportunidade para colaboração com o bem-viver, ajudando a comunidade, ao mesmo tempo que traz muitas dificuldades e desafios em estar longe de seus territórios. Por fim, o ciclo foi finalizado com uma aula da psicóloga Milena Nunes de Almeida sobre saúde mental indígena.
As ações ocorridas na UFG com os diversos parceiros compõem uma importante prática de escuta, reconhecimento e visibilidade para uma saúde que não é a que se aprende tradicionalmente nas universidades, mas que é vivida tradicionalmente nas comunidades indígenas, e cuja manutenção e garantia deve ser lutada e reivindicada pelo respeito e possibilidade de existência e prática das cosmovisões indígenas, compreendendo a diversidade destas. Sendo a UFG uma universidade com programas de incentivo ao ingresso de estudantes indígenas, também propõe a construção de um ambiente universitário que promove a saúde das pessoas indígenas. É nesse sentido, também, que a Rede Indígena participa da construção da Psicologia Indígena, sendo esta uma construção de protagonismo indígena. Nos meses de novembro e dezembro, a equipe pretende realizar mais rodas de conversa Goiás, articulando também os profissionais do serviço de Atenção Básica.
Financiamento: FAPESP (Processo número: 22/04906-3) e CNPq (Processo número: 306149/2023-0)
Por Paula Zeitoun Miranda