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Dialogando Justiça Restaurativa com Mônica Mumme: 1° encontro aberto de formação do Núcleo Justiça e Rede Indígena

Ocorreu em 1 de Março, fruto dos diálogos realizados ao longo do ano, e dos encontros do Núcleo Justiça da Rede Indígena, um diálogo tematizando a Justiça Restaurativa, propiciado pela psicóloga Mônica Mumme (criadora do Laboratório de Convivência – https://www.laboratoriodeconvivencia.com.br/apresentacao/ ), com participação de diversos membros da Rede Indígena.

Na modesta leitura do autor desta nota, dentre outras tantas valiosas colaborações, foi possível no encontro vislumbrar e agora compartilhar o seguinte.

Em primeiro lugar, a construção de um caminho para entender as benéficas relações possíveis entre as sabedorias indígenas e as propostas de Justiça presentes na sociedade e especialmente a proposta da Justiça Restaurativa, da qual foram ressaltados desde o início pontos importantes como o valor da arte-escuta e do diálogo, bem como da contação de histórias.

Assim, notando que Justiça tem sido quase que exclusivamente tratada como um monopólio dos sistemas burocráticos ligados ao poder judiciário, e que nem sempre isso terá sido assim, coloca-se a pergunta (que dignifica as ancestralidades, combatendo os preconceitos): Como a justiça que ancestralmente esteve em nosso dia a dia pode voltar a estar?

Com a psicóloga Mônica Mumme, assim, é possível enxergar a Justiça Restaurativa (JR) enquanto uma filosofia de vida, e de convivência, na qual surge uma via atenta à responsabilidade coletiva (para além da individual), e ao valor da Paz e do diálogo como um caminho possível para superar os ciclos viciosos de vingança e violência.

Distingue-se a proposta apresentada das concepções de JR “como mero procedimento”, e passa a tratar especialmente de quatro relações humanas da pessoa: 1) da pessoa consigo mesma, 2) da pessoa com as outras pessoas de seu meio; 3) da pessoa com as instituições e 4) da pessoal com a sociedade como um todo.

Para além da culpa, visa resgatar a noção de humanidade e, em proximidades com a Comunicação não Violenta (Marshall Rosenberg) e a democracia profunda (Arnold Mindell), encontrar uma Paz não passiva e nem silente, mas movimentada construção simbólica e prática do humano.

Assim, se faz possível a Justiça como valor que nos convida a pesquisar e experimentar o que é a convivência, dentro de uma prática dialógica. O “estar com” de que tão pouco sabemos: “Pouco somos incentivados a produzir conhecimento diante do conflito”, pontua, tranquilamente Mônica Mumme e percebendo a colocação do conflito – geralmente compulsória, mas não necessária – em contexto de violência e competição, desqualificação sistemática, o que inibe a reflexão.

Transcorreu, portanto, com profundo interesse da assistência o momento de exposição, e sem desconsiderar também os marcos legais e doutrinários – e os procedimentos como os círculos restaurativos -, ou os absurdos níveis de encarceramento (e as qualidades desumanas de tal encarceramento), a JR nos convida a pensar também, entre outras coisas, dando mostra de sua natureza filosófica, o problema da hegemonia, e das desqualificações das diferenças.

Porém, e fazendo “jus”, à essência dialogal da JR, o belo encontro não terminou na exposição.

Passada a palavra com intuito de diálogo ao nosso estimado Prof. Tupã Jukupe (Danilo Guimarães), pode ele tecer as convergências encontradas com conhecimentos na Rede Indígena, como o do valor de se “criar espaços de diálogo sistemáticos para que o conflito exista”.

Também a prática de se passar um objeto para dividir bem e respeitosamente o turno de fala destaca o cuidado com o diálogo e com a palavra do outro, algo muito importante no Japyxaka, modo guarani adotado pela rede para seu espaço central de deliberações.

Igualmente a natureza filosófica, e portanto ampliada do pensamento da Justiça Restaurativa, pode ser articulada com a importância das práticas “meditativas”, e de dança, de consagração do Petyn, para os povos indígenas, tudo isso sem perder de vista as demarcações práticas urgentes nas relações de resistência à opressão, contidas na lembrança, por exemplo, de que não há uma relação de dívida com a empreitada colonial: “não há dívida histórica, pois nada foi emprestado; há crimes”.

Nessa mesma linha, circulada a palavra, também foram problematizadas relações experimentadas no dia-a-dia da rede com atores sociais que violam direitos nas tekoa da região onde a rede atua diretamente, a importância democrática do respeito ao conflito como fenômeno social natural, a relevância das opressões específicas contra as mulheres e crianças, dentre muitos outros pontos.

Remetendo ao vídeo e material abaixo para maior aprofundamento, a conclusão desse benfazejo início é que os trabalhos do Núcleo apenas acabam de começar, e uma possível experiência da Justiça se fez presente no diálogo vivo conjunto, passando-se por exemplo de paradigmas de um “poder sobre” para um “poder com”. Se tiver a chance compareça no próximo encontro do dia 12 de abril, no qual o prof. Tupã Jekupé compartilhará um pouco da história da Rede Indígena com os caminhos da Justiça.

 

Have’i

Ha’evete

Porã ete

Aguyjevete

 

Material apresentado:

https://drive.google.com/file/d/17xLfEeul-Klz6wbplu2n-5EKP2OXyiNN/view?usp=sharing

 

Artigo redigido por Augusto Pessin