Rede de Atenção à Pessoa Indígena Instituto de Psicologia Departamento de Psicologia Experimental
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29/07/2025

Rodas de conversa no contexto da UFG em parceria com a Rede Indígena: maio de 2025

A quarta e quinta rodas de conversa do projeto de parceria da Rede Indígena com a UFG, “Produção de espaços de diálogo sobre saúde e bem-viver dos povos indígenas”, ocorreram nos dias 06 e 07 de maio de 2025 na cidade de Goiás. O trabalho conjunto com a Secretaria de Inclusão SIN-UFG, a Faculdade de Enfermagem/UFG, o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI) e a Secretaria de Saúde do Estado de Goiás, visa a promoção de ambientes de saúde e bem-viver, não apenas no âmbito da universidade, mas compreendendo as noções indígenas do que significa e garante isso, a partir do diálogo entre pessoas indígenas, professores universitários e profissionais da saúde. Conforme detalhado em matérias anteriores, as últimas rodas de conversa possibilitaram debate – com partilhas de questionamentos e demandas tanto das pessoas indígenas quanto dos profissionais de saúde – e encaminhamentos práticos – com o planejamento de ações e encontros para a continuidade da construção do vínculo de colaborações para saúde e bem-viver.

Nesse sentido, o encontro do dia 06 de maio foi realizado no Largo da Carioca, um parque da cidade de Goiás que foi escolhido pela sua área de ar livre e natureza, conforme havia sido sugerido pelos estudantes indígenas nas rodas de conversa de novembro, para uma outra dinâmica de contato e formação de vínculo com os profissionais da saúde, em um ambiente que representasse um maior cuidado e conforto às práticas de saúde e bem-viver indígenas. Essa mudança representa uma dimensão importante da atenção à pessoa indígena para além da noção hegemônica de saúde em um contexto que separa o biológico e o cultural, a natureza e o espiritual, o físico e o mental, entre outros pólos opostos e binários inconciliáveis. A co-laboração de profissionais da saúde com pessoas indígenas não pode se reduzir, então, a serviços padrões em UBS e hospitais, por exemplo, na medida em que o bem-viver excede os procedimentos ditos biológicos, compreendendo aspectos ambientais e relacionais também. A escrita de co-laboração está propositalmente com hífen, da forma como Cadena (2024) usa o termo, enfatizando o caráter “co” de conjunto, e “labor” de trabalho, no sentido de trabalhar (ou laborar) em conjunto.

Assim, a possibilidade de conhecer os profissionais da saúde para além de suas atuações como profissionais, mas também como seres e sujeitos no mundo, com quem se constrói confiança e vínculo, aponta para a dimensão relacional do bem-viver, que desafia uma noção individualista de saúde. Práticas de saúde indígena, ao contrário, envolvem sujeitos em relação, diálogo e trocas, sujeitos que se reconhecem e co-laboram mutuamente, não em uma hierarquia de prestação de serviços ou em uma fragmentação de profissionais especializados, mas em uma rede de atenção entre subjetividades complexas e relacionadas. Além disso, o estar em contato com a terra e com a natureza diz respeito ao estabelecimento de um ambiente mais confortável e familiar, um ambiente de onde ancestralmente se garante saúde. Se pessoas indígenas têm, originariamente, desenvolvido seus saberes e cuidados com plantas, por exemplo, isso não significa que a medicina ocidental não sirva em absoluto para elas, mas que a natureza também atua na promoção de saúde, e pode gerar um bem-viver maior que estando em asfalto e concreto.

Então, estabelecendo relações em ambientes naturais, 22 pessoas se encontraram no Largo da Carioca, dentre os estudantes indígenas do curso de Educação do Campo, os professores do curso e articuladores do projeto – Hélio Simplicio Rodrigues Monteiro e Janaína Tude Sevá — profissionais de saúde do município de Goiás, e os técnicos da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás – a psicóloga da Gerência de Saúde Mental, Milena Nunes, e os coordenadores da saúde indígena, Rogério Borges e Suzilar. O encontro foi realizado no período da tarde, com lanche e conversas, e foram disponibilizadas vacinas para os estudantes indígenas. Em um ambiente de segurança, confiança e bem-estar, a saúde foi promovida tanto pelas vacinas quanto pelo encontro em si, em uma rede promotora de cuidados, não apenas em relação às pessoas indígenas, mas também aos demais envolvidos. Há, dessa forma, a construção coletiva de saúdes múltiplas que dialogam em vistas de um bem-viver de pessoas indígenas e não-indígenas, seres humanos e seres outros-que-humanos, bem-viver que se garante em co-laboração.

Ainda no dia 06 de maio, foi realizada uma reunião à noite com a equipe de Assistência Social do Creas para discutir os desafios de estabelecimento e permanência dos estudantes e famílias indígenas que chegam na cidade de Goiás para o curso da UFG. Em outra dimensão importante de saúde e bem-viver que diz respeito às garantias financeiras, de moradia e de alimentação, por exemplo, foi sinalizada a necessidade de um melhor preparo da universidade para receber os estudantes e tradutores contratados, sem demora no pagamento das bolsas de auxílio, o que acarreta desassistência para as pessoas indígenas na cidade e sobrecarga de outros serviços públicos. Também, se volta a atenção para a necessidade de pensar a permanência do estudante indígena não apenas como sujeito individual, mas com uma família que também precisa de sustento. Se não basta a admissão de pessoas indígenas na universidade, ou nos serviços de saúde, por exemplo, sendo preciso garantir a permanência saudável e digna – tanto pelo âmbito material, quanto pelo respeito nas relações –, também não faz sentido pensar essa permanência individualmente. O bem-viver não se constrói individualmente, mas em coletivo, e a permanência confortável das famílias dos estudantes indígenas significa também a saúde deles, em um ambiente que inevitavelmente já lhes é estranho e a presença de familiares é importante. Nesse sentido, está sendo planejada uma reunião ampliada com diversos setores da cidade e comunidades indígenas para a realização de encaminhamentos para essas situações.

A roda de conversa do dia 07 de maio foi realizada no período matutino no colégio Santana, do campus Goiás da UFG. Participaram cerca de 30 pessoas, dentre estudantes indígenas, profissionais de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde da Cidade de Goiás, da UBS referência para pessoas indígenas, CAPS, Creas e gestão municipal. Estudantes indígenas esclarecem dúvidas com a equipe de saúde, combinam alinhamentos para atendimentos de suas demandas, e relatam boas experiências de atendimento no postinho, sugerindo a ampliação das rodas de conversa para outros serviços de saúde em que ainda não se sentem acolhidos. Encaminhou-se então, a próxima roda de conversa na tenda da saúde no Festival Internacional de Cinema Ambiental da cidade de Goiás, onde vêm pessoas indígenas de todo o Brasil. Além disso, foi comunicada a implementação da portaria de Incentivo Financeiro para Estabelecimentos de Saúde no Atendimento a Pessoas Indígenas no município de Goiás pelo Coordenador do DSEI Araguaia, com a qualificação dos profissionais ao cuidado com pessoas indígenas, encaminhamento das rodas de conversa de novembro de 2024.

Tendo em vista os resultados e as demandas do processo das rodas de conversa, o diálogo aberto e sensibilizado tem possibilitado a imaginação e construção de ambientes de saúde e bem-viver. Evidentemente, comunicações produzem ruídos, mas é criada a capacidade de co-laborar, em um exercício de troca e escuta atenta. Praticando saúde desde a terra e em relação, são abertas fissuras no asfalto da cidade de Goiás, abrindo espaço para outras maneiras de ocupá-la com bem-viver. Sujeitos, vegetações e coletividades se tocam para retomar a ancestralidade de territórios modernos, que podem ser urbanos e acolhedores, profissionais e familiares, universitários e indígenas. Ampliando diálogos, reivindica-se a presença e permanência indígena nas aldeias e nas cidades.

Referência bibliográfica
CADENA, Marisol de la. Seres-terra: cosmopolíticas em mundos andinos. Bazar do Tempo, Rio de Janeiro, 2024.

Atividades de cultura e extensão universitária realizadas com apoio da FAPESP (Processo número: 22/04906-3) e do CNPq (Processo número: 306149/2023-0).