Nhemboaty 10/05/2021
No dia 10 de maio, aconteceu nosso 14º Nhemboaty do primeiro semestre de 2021. Como estabelecido pelo Nhandereko da Rede Indígena, o encontro é conduzido pelo Japyxaka, um momento em que todos escutam atentamente as falas individuais. A escuta atenta é condição para que se entenda profundamente o que é dito por cada um; os sentimentos expressos no tom da voz e a liberdade para dizer o que vem do coração é o que torna cada reunião especial. No Nhemboaty, é importante que todos digam alguma coisa; ninguém pode estar neste espaço sem ser envolto por um círculo de fortalecimento mútuo. Espera-se, até mesmo, que Nhanderu venha dizer alguma coisa.
Nesse Nhemboaty, iniciamos com a fala do professor Danilo Guimarães, que contou sua história de autodeterminação étnica indígena*. Visto que não cresceu em aldeia, o professor Tupã Jekupe revela que o seu momento de afirmação enquanto indígena aconteceu quando cursava Psicologia no IPUSP. Discutiu-se, a partir daí, as diferenças entre os indígenas que vivem no contexto urbano e os que moram em aldeias. Em relação à questão, o professor cita que “não é porque você sai da sua casa que você deixa de ser quem você é”. Apesar disso, acrescenta que, de fato, esta discussão não é muito simples. Nos primeiros censos demográficos do Brasil, o governo brasileiro criou a opção “parda”, numa tentativa de excluir a determinação étnica indígena. Numa perspectiva segregacionista, os indígenas que eram assimilados pelo governo como “pardos”, eram incorporados na rede de trabalho como mão de obra barata. Já os indígenas que assumiam resistência, eram oferecidos às chamadas “guerras-justas”. Em outro âmbito, alguns indígenas eram denominados de “negros da terra” para que perdessem a condição de humanidade defendida pela Igreja Católica e fossem escravizados. Tudo o que foi feito, foi usado para enfraquecer e separar os indígenas. Quando há uma tentativa de retomada da determinação étnica de indígenas assimilados a contextos alheios aos das Tekoa, há certa desconfiança, principalmente em relação à questão se há ou não um envolvimento ético com as lutas indígenas.
Ademais, seguem os informes sobre cada núcleo da Rede Indígena:
Acesso e permanência indígena na USP: Discutiu-se a articulação do núcleo com o movimento estudantil e com outras instâncias departamentais da Universidade. Em relação ao envolvimento do Levante Indígena com o movimento estudantil, há uma história de aproximação, mas nota-se uma desvalorização das pautas indígenas dentro nessa frente de luta por acesso e permanência na USP. Apesar disso, ainda há possibilidade que a relação se frutifique em algum outro momento. Ademais, acrescenta-se o modo avançado em que o Levante exige o ingresso de estudantes indígenas na Universidade. Por exemplo, o acesso sem mesmo com a necessidade de vestibular para pessoas mais velhas e o vestibular específico para quem quiser fazer o ciclo de graduação. Além disso, o Levante propõe uma facilidade de consulta dos indígenas do que está sendo produzido e falado sobre eles no contexto acadêmico. Está sendo feito um resgate histórico, com o objetivo de dar respaldo e direção à luta.
Relembrando parte desta trajetória, estas informações e reflexões trazidas sobre a autodeclaração indígena estão pautadas em um diálogo internacional sobre o debate dos povos indígenas. Há documentos como a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, de 2007. Além da convenção 169, da qual o Brasil é signatário (OIT 169). As conquistas inferem que os povos indígenas têm direito à autodeterminação, independentemente das maneiras propostas pelo Estado. Quando falamos em autodeclaração, pensamos em uma coisa individualizada. No entanto, a autodeclaração como direito, quer dizer que, devido a existência anterior dos indígenas à criação do Estado, infere a não necessidade de uma documentação como o Rani. É muito grave a postura da Universidade de exigência do Rani para as cotas PPI; e ela é muito danosa, uma inadequação que está pautada na legislação brasileira. Sempre foi isso que o Levante Indígena tentou mostrar para a USP. Sem pressão não tem tido resultado, apesar de tudo.
Por fim, acrescenta-se que talvez, neste momento, o ideal seria mapear estas lutas. Agora, o acesso e permanência do indígena na Universidade deve ser uma luta tecida não apenas na Rede, no Movimento Estudantil, mas em outros âmbitos, como nas discussões de departamentos, na Comissão de Graduação (CG)…é o momento de tecer nestas instâncias, buscando pessoas que têm esta sensibilidade para encaminhá-la e, para aquelas que não tiverem, terem a oportunidade de construir esta sensibilidade. No âmbito da Psicologia, por exemplo, há pessoas que poderiam fazer esta articulação, mas isso pode se expandir para outros institutos; tecendo este debate, esta importância. A Rede é uma voz que tem reconhecimento. Até o fato de existir um lugar físico (Opy), é um grande avanço, que serve de referência. Se ganharmos corpo no Instituto em diferentes instâncias, pode ser formulado algo neste sentido. Há uma penetração que às vezes fica um pouco invisível, mas há espaços que estão sendo ganhos.
Casa de Culturas Indígenas: Não houve atualizações sobre o andamento deste núcleo.
Comunicação: No núcleo de comunicação, aconteceu uma reunião na última segunda 03/05. Novos integrantes foram apresentados ao núcleo, os quais estão desenvolvendo postagens como a feita para localizar artistas indígenas através de nossas Redes Sociais.
Cuidado aos cães e gatos nas aldeias: Nesta semana, há uma reunião marcada para dar prosseguimento às discussões e atividades.
Cuidado psicológico a pessoas e comunidades indígenas: Não houveram informes.
Encontros interétnicos: No núcleo, já encerramos a arrecadação dos materiais didáticos, então voltamos a fazer um diálogo com a Tekoa; estamos fazendo a escrita de um capítulo junto com uma pessoa indígena. Além disso, estamos também em diálogo com Yyrexakã para ajudá-los na venda de artesanatos. Em relação às carteiras doadas pela Arco para a escola de Yyrexakã, o processo de transferência está atrasado pelos chassis de cada carteira. Mas já estamos em diálogo com um moço do caminhão, que propôs um serviço de baixo valor. Estamos em diálogo com ele para combinar um valor justo.
Justiça Restaurativa: Está em voga a luta contra o PL 191/2020, que visa abrir a possibilidade de mineração em terras indígenas, e parte significativa das denúncias que tem vindo (especialmente de Munduruku e Yanomami e Ye’kwana) é quanto ao escamoteamento de seu direito à consulta prévia. Munduruku desautorizam uma das associações que aparentemente está sendo cooptada para sozinha decidir por todos. Já os Yanomami Ye’kwana denunciam a prática de consultarem apenas alguns indígenas. Tanto Munduruku quanto Yanomami e Ye’kwana já tem há muito tempo seu protocolo de consulta prévia publicado no site da RCA, que deveria ser respeitado, nos termos da lei.
Língua e Cultura Guarani: Sobre o Curso de Língua e Cultura Guarani, estamos avançando nos temas e fazendo o serviço de correção das tarefas.
Turismo Educacional, Ecológico e de Base Comunitária: Sobre as atualizações do núcleo de turismo, tivemos reuniões na semana passada. Uma reunião com Guira Pepó e também com Tangará. Além disso, estamos fazendo um texto para dar retorno às pessoas que contribuíram com a campanha de arrecadação de alimentos e também de agradecimento, já estamos com os recibos das transferências.
As reuniões com Tangará estão sendo transcritas para postar no site. Na primeira conversa com a pessoa indígena, a pauta foi sobre como se formou a aldeia de Tangará. Ele pôde contar um pouco da história sobre o sogro dele que saiu do sul, que teve um sonho do local da aldeia; ele teve uma doença misteriosa, curada pela sua esposa. Na 2ª reunião, aprendemos sobre deuses Guarani e mitos inspiradores. Na 3ª reunião, sobre rituais e cerimônias. A sensação é de que cada vez mais estamos em torno de uma fogueira ouvindo suas histórias; está sendo muito rico. A 4ª reunião ainda será marcada.
Na quinta feira foi conversado com Guyrá Pepó sobre o projeto de formação de jovens líderes da aldeia. Hoje eles têm 10 jovens participando, mas esse número deve aumentar. Eles pediram ajuda para a confecção de camisetas e compra de calções. As camisetas que eles pediram terá uma pintura Guarani, a foto do xeramõi ou da xejary’i e o nome de cada participante. No futuro eles precisarão de ajuda com transporte desses jovens para eventos importantes e também para transporte de pessoas de outras aldeias para lá. A ideia é dar experiência para esses jovens nos diálogos políticos e de lutas indígenas. Há algumas opções para esta ajuda: vaquinha, pro-labore, doações, etc. Há também o pedido de ajuda para um calção. Há estimativa que ficará em torno de 1000 e 1500 reais, com o transporte. Faremos ainda conversas para combinar como ficará o design desta camisa.
Xondaro Xondaria: Não houve atualização sobre o andamento deste núcleo.
Além dos núcleos já formados, os diálogos com outros possíveis núcleos a serem fortalecidos são:
Kunhã Kuery e os cuidados com o parto, gravidez e a primeira infância: O núcleo de Início da Vida está sendo tocado pela EACH e terá a fala de uma Xejary’i no dia 25. Neste curso, há 100 inscritos e há aulas que são ministradas por professores de sabedoria. A notícia é que a Briseida conseguiu reverter a verba da Fapesp para a remuneração da Xejary’i e para sua filha, que também irá participar. Assim teremos duas palestrantes com a possibilidade de remuneração destas. Assim que tivermos confirmação, vamos divulgar esta palestra.
Portal Indígena:. Acabamos o projeto, o Portal está finalizado. Chegamos a conclusão de que trabalhar neste portal é como construir uma ponte, entre a entrada da aldeia e o portal digital. Com o tempo de trabalho, entendendo como os projetos estão construídos, vemos a importância deste projeto estar mais próximo da aldeia, mais próximo da Rede. Assim, o Portal está se encerrando enquanto TECS e nascendo mais próximo da Rede. Sobre os membros, um obstáculo na parte de desenvolver o site, é juntar as pessoas que tenham um conhecimento mais específico sobre como construir um site. A minha ideia é juntar um time que tenha este conhecimento. Na última reunião com Sílvio de Tangará, uma coisa poderosa que ele falou foi sobre as lutas que eles têm; a maior delas é a luta por manter a cultura Guarani viva; até mesmo em questões alimentares, música, tecnologia. Uma coisa muito forte que ficou é de construir um portal de cultura; é a batalha que estamos mirando.
Acrescenta-se, ademais, a relação feita entre o Portal e a Praça de Culturas Indígenas. A praça seria uma manifestação física do que seria o portal. Além disso, na discussão sobre o estabelecimento do Portal como parte da Rede de Atenção à pessoa indígena, ficou como encaminhamento pensar este trabalho como uma extensão do núcleo de turismo. Há a importância de pensar na instrução dos integrantes deste grupo sobre o Nhandereko da Rede, além da sua formalização enquanto bolsistas ou voluntários.
Ademais, discutiu-se sobre:
Uma campanha chamada Bosques da Memória, da qual Giselle, membro da Rede, faz parte. A ideia é plantar uma árvore para cada vítima da Covid. Quando se iniciou a campanha, previa-se que até a semana da Mata Atlântica, no final de Maio, até 5 de Junho, seriam plantadas 200 mil árvores para as 200 mil vítimas da Covid-19 na Mata Atlântica. O número de mortes aumentou muito após a previsão. No entanto, é uma forma de transformar, pelo menos um pouco da dor, em esperança. Durante a organização desta semana, Giselle trouxe à organização a importância de dar voz aos povos indígenas, então eles abriram um espaço de fala, no qual a Rede poderia ajudar a compor. A participação não será ao vivo, mas por vídeo, na qual pode-se encaixar algum vídeo, pode ser um coral indígena ou uma fala.
Muita força à todes!
Porã Ete! Aguyjevete!
* Entrou no Censo apenas em 1991 (depois da Constituinte de 1988) a possibilidade de existirem estatisticamente indígenas diante do IBGE (“Urbano x Rural? Mudanças de paradigmas). A presença indígena nas áreas urbanas tem crescido desde a inclusão da categoria indígena no censo de 1991, quando foi possível analisar e detectar esse fato. Os resultados de 2010 apresentam uma mudança, uma certa diminuição na proporção da população indígena residindo em áreas rurais.”
https://pib.socioambiental.org/pt/O_Censo_2010_e_os_Povos_Ind%C3%ADgenas#:~:text=A%20presen%C3%A7a%20ind%C3%ADgena%20nas%20%C3%A1reas,ind%C3%ADgena%20residindo%20em%20%C3%A1reas%20rurais.
Nota redigida por Luíza Sobreira